Aprendizagem para a vida e a ciência do lifelong learning
- Dra. Virgínia Chaves
- 17 de ago. de 2021
- 6 min de leitura

Era uma reunião com coordenadores de segmentos de uma grande escola. O encontro era online, como pede o protocolo, e eu havia acabado de apresentar parte de um projeto sobre formação continuada de professores. O projeto era ligeiramente complexo e envolvia uma série de etapas que demandavam ações da escola, dos professores e da minha equipe.
Lá pelas tantas, após a apresentação, ouvi palavras que me afetaram de forma profunda e me geraram reflexões igualmente intensas.
A primeira mensagem foi: “o projeto é lindo, mas os professores estão exaustos. Desde o início da pandemia que os professores só fazem se reinventar e aprender, e colocar em prática e reinventar. Queremos algo simples. Eles não vão engajar agora.”
A segunda mensagem que me causou impacto foi: “Esse assunto de competências para o século XXI já está velho. Ninguém quer mais falar sobre isso. Queremos algo sobre ensino híbrido”.
Com a primeira resposta, após o choque, concordei. Desde 13 de março de 2020 que professores no mundo inteiro tiveram suas vidas profissionais chacoalhadas e modificadas em tempo real enquanto tentavam arduamente aprender e reaprender na velocidade da luz sobre formas diferentes de executar suas funções.
Sobre as competências para o mundo complexo
O momento o qual vivemos, assim como nosso mundo, é complexo. Entretanto, é por meio de soluções cada vez mais simples que iremos solucionar tais demandas. A era de complexidade em que a resolução de problemas passa por desmontá-los e analisar linearmente cada engrenagem deu lugar à era da síntese, do holístico e da Gestalt. Portanto, a síntese não pode ser complexa demais a ponto de não ser vista e compreendida. E mais importante, a ponto de não ser aplicada.
Passamos ao segundo ponto: competências do século XXI estão ultrapassadas. O assunto do momento é o ensino híbrido.
Durante algum tempo me perguntei se a questão era oferecer formação continuada de qualidade ou apenas entregar “assuntos do momento”, ainda que o século XXI não tenha acabado. Tampouco penso que as escolas brasileiras tenham finalizado a etapa de implementação de estratégias para desenvolver nos alunos e professores as referidas competências a ponto de fecharmos de vez o assunto.
Fato é que, muito falamos sobre formação ou aprendizagem para a vida (neste texto como tradução livre para lifelong learning) mas com o mundo exigindo mudanças constantes e rápidas, a capacidade de aprender e a curadoria do que aprender têm se revelado desafiadoras.
Acredito que a pergunta crucial seja sobre como incutir a dinâmica da aprendizagem contínua desde cedo em nossas crianças. Só assim, teremos a geração de pessoas e profissionais que buscam conhecimento e aplicabilidade genuínos.
Mas como endereçar o assunto na escola? Como concatenar currículos de maneira que toda a experiência escolar seja pautada na ótica da aprendizagem contínua?
Com os estudantes cada vez mais focados em um estudo voltado para avaliações, a tarefa parece hercúlea. Entretanto, existem caminhos.
1. O primeiro deles é mitigar aos poucos a educação em massa da era industrial que ainda resiste como mentalidade-base nas escolas. Entende-se que avaliações de âmbito nacional ainda são a chave para as decisões de cunho educacional no país, entretanto, cada vez mais vemos a libertação dos currículos no sentido de avançar em práticas mais modernas e que conversem com o futuro. Buscar avaliações mais funcionais e repensar currículos e seus desdobramentos para que a busca por conhecimento seja o meio e o fim.
O segundo caminho é aproximar mais a ciência da escola. Só é possível gerar educação de forma personalizada quando geramos dados. Vivemos na era da informação, portanto, devemos usá-la a nosso favor. Enquanto mantivermos avaliações padronizadas e modelos únicos para todos estaremos fadados a limitar os potenciais de cada estudante. Entretanto, a ciência por trás dos dados precisa ser entendida. Do contrário, a escola gera informação cujo uso não transforma e mantém o estaremos fadados a limitar os potenciais de cada estudante. Entretanto, a ciência por trás dos dados precisa ser entendida. Do contrário, a escola gera informação cujo uso não transforma e mantém o status quo.
3. O terceiro caminho passa pela tecnologia. Grande aliada quando bem utilizada. Entretanto, assim como o uso de dados na educação pode não gerar mudanças, a tecnologia mal aplicada acaba sendo ineficaz. Recentemente, o boom da tecnologia educacional se traduziu no uso de aplicativos e ferramentas para a sala de aula. Porém, a gestão educacional também passa pelo entendimento acerca da aprendizagem e do aproveitamento dos alunos em um processo no qual os dados são utilizados periodicamente para gerar iterações cujos resultados possam ser medidos e avaliados.

Para além dos caminhos definidos acima, a aprendizagem contínua do indivíduo ultrapassa os muros da escola, sejam eles virtuais ou físicos, e adentra dimensões individuais. Não há como pensar em educação sem considerar os aspectos do indivíduo e do mesmo em sociedade. Simplesmente não faz sentido focar apenas na atuação do professor ou na dinâmica da sala de aula como único critério para fazer a aprendizagem significativa ocorrer.
Formação continuada e lifelong learning
Mas e quando falamos de professores? Como abordar o contexto da formação continuada sob o ponto de vista da aprendizagem contínua ou lifelong learning? A formação continuada de professores é tema comum. Qualquer educador, seja recém graduado ou não, entende o termo e as implicações associadas a ele.
Entretanto, nem sempre esse tipo de formação gera resultados e mudanças esperadas por vários motivos.
a. Formação continuada para quem não teve a formação inicial de qualidade é sobrepor inúmeros conhecimentos sem o entendimento-base que sustenta as práticas.
b. Formação continuada focada em conteúdos apenas, se traduz no mesmo problema que enfrentamos com alunos: educação focada em conteúdo, sem aplicabilidade ou mal compreendida.
c. Programas de baixa continuidade e isolados. Os professores assistem palestras e mini-cursos mas a continuidade das discussões e os momentos geradores de práticas ocorrem de forma isolada e descontínua aos projetos pedagógicos da escola.
d. Tendência à formação focada somente em metodologias aplicáveis à sala de aula, porém, sem direcionamento ao pensamento científico ou à cultura de utilização de dados para a sala de aula.
No fim, a formação continuada em muito se assemelha aos problemas enfrentados na educação dos alunos: falta de conexão.
Por exemplo, um professor de ensino médio se matricula em um mini-curso sobre metodologias ativas. A carga horária do curso prevê 20 horas de atividades teóricas e práticas. Ao finalizar o curso o professor tem várias idéias sobre como aplicar e modificar suas aulas. Entretanto, o curso, feito de forma individual pelo professor, não conversa com o currículo.
O professor percebe que as práticas que idealizou não funcionam na realidade da sua sala de aula e acaba frustrando-se. No fim, mantém a aula de sempre. A aula que se adequa à escola, e não aos alunos.
A solução é o professor não buscar conhecimento fora da escola? Não.
A solução é a escola integrar os processos formativos de forma mais ampla, tal qual planeja fazer com as aprendizagens dos alunos. Um programa de formação continuada precisa ser pensado e estabelecido em consonância com os interesses da escola e com o planejamento relacionado ao seu propósito para a educação dos estudantes.
Como o nome diz, é algo contínuo. Deve ter planejamento próprio que se continue de forma temporal, mas que também se estenda aos alunos de forma dinâmica. Caso contrário, teremos professores assistindo a inúmeras oficinas e palestras sem conseguir de fato aplicar os conhecimentos adquiridos No fim, formação continuada não funciona se não interfere positivamente na aprendizagem dos alunos.
O documento criado pelo Institute for lifelong learning da UNESCO, resume a ciência do processo:

Figura 1. Representação esquemática dos fatores biológicos (aprendiz individual), de estilo de vida (saúde e bem-estar) e psico-sócio-emocionais (aprendiz no grupo) que afetam processos cognitivos e a aprendizagem ao longo da vida (adaptado).
Para que a aprendizagem se dê de forma contínua na fase adulta, os três fatores e seus desdobramentos precisam ser levados em consideração.
Do ponto de vista da formação de professores, é imprescindível levarmos em consideração sua bagagem e experiência em sala de aula. Bem como suas crenças pré-estabelecidas e visão de mundo. Todos esses fatores refletem na maneira como o processo de aprendizagem pós-formação vai moldar suas práticas.
Parece complexo determinar a visão sintética de tantos elementos a fim de colocar em prática. Desmembrar demais não vai tornar o processo mais simples. Como bem descreveu Alvin Toffler, a era da informação com sua velocidade de informação não permite uma visão linear segundo a qual o macro é desmembrado em micro-partes. A visão é sintética.
Dessa maneira, por que não desenvolver programas de formação de professores que abarquem não somente aspectos de internalização de conteúdo, mas também de desenvolvimento socioemocional e de bem-estar? Frequentemente professores ministram atividades para seus alunos focadas em tais elementos, mas eles próprios não desenvolveram tais habilidades.
Quantas vezes um professor precisa dar aulas em condições psicológicas estressantes e aflitivas? Qual sua válvula de escape na escola que não seja a quantidade cada vez maior de horas-aula fornecidas?
A neurociência perpassa por grande parte dos fatores envolvidos no diagrama acima. Não apenas porque explica aspectos cognitivos e emocionais, mas também porque instrumentaliza o individuo enquanto aprendiz, ao fornecer as bases por trás de todos esses processos. Se entendo o que acontece comigo enquanto fenômeno, posso modificá-lo. De forma personalizada e que faça sentido.
Portanto, é hora de mudar a escola. Mas não somente para os alunos. Não é um movimento separado e sim, conjunto. A escola precisa repensar o professor e seu espaços, vivências e aprendizagens. A formação continuada focada em dados e em ciência é o primeiro passo.
Comments