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Aprendizagem para a vida e a ciência do lifelong learning


Era uma reunião com coordenadores de segmentos de uma grande escola. O encontro era online, como pede o protocolo, e eu havia acabado de apresentar parte de um projeto sobre formação continuada de professores. O projeto era ligeiramente complexo e envolvia uma série de etapas que demandavam ações da escola, dos professores e da minha equipe.

Lá pelas tantas, após a apresentação, ouvi palavras que me afetaram de forma profunda e me geraram reflexões igualmente intensas.


A primeira mensagem foi: “o projeto é lindo, mas os professores estão exaustos. Desde o início da pandemia que os professores só fazem se reinventar e aprender, e colocar em prática e reinventar. Queremos algo simples. Eles não vão engajar agora.”


A segunda mensagem que me causou impacto foi: “Esse assunto de competências para o século XXI já está velho. Ninguém quer mais falar sobre isso. Queremos algo sobre ensino híbrido”.


Com a primeira resposta, após o choque, concordei. Desde 13 de março de 2020 que professores no mundo inteiro tiveram suas vidas profissionais chacoalhadas e modificadas em tempo real enquanto tentavam arduamente aprender e reaprender na velocidade da luz sobre formas diferentes de executar suas funções.



Sobre as competências para o mundo complexo

O momento o qual vivemos, assim como nosso mundo, é complexo. Entretanto, é por meio de soluções cada vez mais simples que iremos solucionar tais demandas. A era de complexidade em que a resolução de problemas passa por desmontá-los e analisar linearmente cada engrenagem deu lugar à era da síntese, do holístico e da Gestalt. Portanto, a síntese não pode ser complexa demais a ponto de não ser vista e compreendida. E mais importante, a ponto de não ser aplicada.


Passamos ao segundo ponto: competências do século XXI estão ultrapassadas. O assunto do momento é o ensino híbrido.

Durante algum tempo me perguntei se a questão era oferecer formação continuada de qualidade ou apenas entregar “assuntos do momento”, ainda que o século XXI não tenha acabado. Tampouco penso que as escolas brasileiras tenham finalizado a etapa de implementação de estratégias para desenvolver nos alunos e professores as referidas competências a ponto de fecharmos de vez o assunto.


Fato é que, muito falamos sobre formação ou aprendizagem para a vida (neste texto como tradução livre para lifelong learning) mas com o mundo exigindo mudanças constantes e rápidas, a capacidade de aprender e a curadoria do que aprender têm se revelado desafiadoras.


Acredito que a pergunta crucial seja sobre como incutir a dinâmica da aprendizagem contínua desde cedo em nossas crianças. Só assim, teremos a geração de pessoas e profissionais que buscam conhecimento e aplicabilidade genuínos.


Mas como endereçar o assunto na escola? Como concatenar currículos de maneira que toda a experiência escolar seja pautada na ótica da aprendizagem contínua?

Com os estudantes cada vez mais focados em um estudo voltado para avaliações, a tarefa parece hercúlea. Entretanto, existem caminhos.


1. O primeiro deles é mitigar aos poucos a educação em massa da era industrial que ainda resiste como mentalidade-base nas escolas. Entende-se que avaliações de âmbito nacional ainda são a chave para as decisões de cunho educacional no país, entretanto, cada vez mais vemos a libertação dos currículos no sentido de avançar em práticas mais modernas e que conversem com o futuro. Buscar avaliações mais funcionais e repensar currículos e seus desdobramentos para que a busca por conhecimento seja o meio e o fim.


O segundo caminho é aproximar mais a ciência da escola. Só é possível gerar educação de forma personalizada quando geramos dados. Vivemos na era da informação, portanto, devemos usá-la a nosso favor. Enquanto mantivermos avaliações padronizadas e modelos únicos para todos estaremos fadados a limitar os potenciais de cada estudante. Entretanto, a ciência por trás dos dados precisa ser entendida. Do contrário, a escola gera informação cujo uso não transforma e mantém o estaremos fadados a limitar os potenciais de cada estudante. Entretanto, a ciência por trás dos dados precisa ser entendida. Do contrário, a escola gera informação cujo uso não transforma e mantém o status quo.


3. O terceiro caminho passa pela tecnologia. Grande aliada quando bem utilizada. Entretanto, assim como o uso de dados na educação pode não gerar mudanças, a tecnologia mal aplicada acaba sendo ineficaz. Recentemente, o boom da tecnologia educacional se traduziu no uso de aplicativos e ferramentas para a sala de aula. Porém, a gestão educacional também passa pelo entendimento acerca da aprendizagem e do aproveitamento dos alunos em um processo no qual os dados são utilizados periodicamente para gerar iterações cujos resultados possam ser medidos e avaliados.


Para além dos caminhos definidos acima, a aprendizagem contínua do indivíduo ultrapassa os muros da escola, sejam eles virtuais ou físicos, e adentra dimensões individuais. Não há como pensar em educação sem considerar os aspectos do indivíduo e do mesmo em sociedade. Simplesmente não faz sentido focar apenas na atuação do professor ou na dinâmica da sala de aula como único critério para fazer a aprendizagem significativa ocorrer.


Formação continuada e lifelong learning


Mas e quando falamos de professores? Como abordar o contexto da formação continuada sob o ponto de vista da aprendizagem contínua ou lifelong learning? A formação continuada de professores é tema comum. Qualquer educador, seja recém graduado ou não, entende o termo e as implicações associadas a ele.

Entretanto, nem sempre esse tipo de formação gera resultados e mudanças esperadas por vários motivos.


a. Formação continuada para quem não teve a formação inicial de qualidade é sobrepor inúmeros conhecimentos sem o entendimento-base que sustenta as práticas.


b. Formação continuada focada em conteúdos apenas, se traduz no mesmo problema que enfrentamos com alunos: educação focada em conteúdo, sem aplicabilidade ou mal compreendida.


c. Programas de baixa continuidade e isolados. Os professores assistem palestras e mini-cursos mas a continuidade das discussões e os momentos geradores de práticas ocorrem de forma isolada e descontínua aos projetos pedagógicos da escola.


d. Tendência à formação focada somente em metodologias aplicáveis à sala de aula, porém, sem direcionamento ao pensamento científico ou à cultura de utilização de dados para a sala de aula.


No fim, a formação continuada em muito se assemelha aos problemas enfrentados na educação dos alunos: falta de conexão.


Por exemplo, um professor de ensino médio se matricula em um mini-curso sobre metodologias ativas. A carga horária do curso prevê 20 horas de atividades teóricas e práticas. Ao finalizar o curso o professor tem várias idéias sobre como aplicar e modificar suas aulas. Entretanto, o curso, feito de forma individual pelo professor, não conversa com o currículo.

O professor percebe que as práticas que idealizou não funcionam na realidade da sua sala de aula e acaba frustrando-se. No fim, mantém a aula de sempre. A aula que se adequa à escola, e não aos alunos.


A solução é o professor não buscar conhecimento fora da escola? Não.


A solução é a escola integrar os processos formativos de forma mais ampla, tal qual planeja fazer com as aprendizagens dos alunos. Um programa de formação continuada precisa ser pensado e estabelecido em consonância com os interesses da escola e com o planejamento relacionado ao seu propósito para a educação dos estudantes.


Como o nome diz, é algo contínuo. Deve ter planejamento próprio que se continue de forma temporal, mas que também se estenda aos alunos de forma dinâmica. Caso contrário, teremos professores assistindo a inúmeras oficinas e palestras sem conseguir de fato aplicar os conhecimentos adquiridos No fim, formação continuada não funciona se não interfere positivamente na aprendizagem dos alunos.




Figura 1. Representação esquemática dos fatores biológicos (aprendiz individual), de estilo de vida (saúde e bem-estar) e psico-sócio-emocionais (aprendiz no grupo) que afetam processos cognitivos e a aprendizagem ao longo da vida (adaptado).



Para que a aprendizagem se dê de forma contínua na fase adulta, os três fatores e seus desdobramentos precisam ser levados em consideração.

Do ponto de vista da formação de professores, é imprescindível levarmos em consideração sua bagagem e experiência em sala de aula. Bem como suas crenças pré-estabelecidas e visão de mundo. Todos esses fatores refletem na maneira como o processo de aprendizagem pós-formação vai moldar suas práticas.


Parece complexo determinar a visão sintética de tantos elementos a fim de colocar em prática. Desmembrar demais não vai tornar o processo mais simples. Como bem descreveu Alvin Toffler, a era da informação com sua velocidade de informação não permite uma visão linear segundo a qual o macro é desmembrado em micro-partes. A visão é sintética.


Dessa maneira, por que não desenvolver programas de formação de professores que abarquem não somente aspectos de internalização de conteúdo, mas também de desenvolvimento socioemocional e de bem-estar? Frequentemente professores ministram atividades para seus alunos focadas em tais elementos, mas eles próprios não desenvolveram tais habilidades.


Quantas vezes um professor precisa dar aulas em condições psicológicas estressantes e aflitivas? Qual sua válvula de escape na escola que não seja a quantidade cada vez maior de horas-aula fornecidas?


A neurociência perpassa por grande parte dos fatores envolvidos no diagrama acima. Não apenas porque explica aspectos cognitivos e emocionais, mas também porque instrumentaliza o individuo enquanto aprendiz, ao fornecer as bases por trás de todos esses processos. Se entendo o que acontece comigo enquanto fenômeno, posso modificá-lo. De forma personalizada e que faça sentido.


Portanto, é hora de mudar a escola. Mas não somente para os alunos. Não é um movimento separado e sim, conjunto. A escola precisa repensar o professor e seu espaços, vivências e aprendizagens. A formação continuada focada em dados e em ciência é o primeiro passo.




 
 
 

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