Método FOCAR: como a neurociência ajuda a reduzir o impacto das telas no cérebro e na atenção
- Dra. Virgínia Chaves

- 23 de set.
- 4 min de leitura
Atualizado: 10 de out.

O desafio da atenção no século XXI
Uma criança que não consegue largar o celular. Um adulto exausto após um dia de notificações intermináveis. Um idoso que se perde entre telas e aplicativos. Essas cenas já fazem parte da nossa rotina.
Vivemos em uma era de hiperconectividade,
quando a tecnologia ocupa não apenas parte do nosso tempo, mas atravessa todos os aspectos da vida. O cérebro humano, moldado ao longo de milhares de anos para lidar com estímulos limitados e previsíveis, nunca esteve tão exposto a informações constantes, coloridas e altamente recompensadoras.
O resultado aparece em dados preocupantes: aumento de sintomas de ansiedade e depressão em adolescentes (JAMA Pediatrics, 2019), queda nos índices de concentração e aprendizagem (OECD, 2023), e distúrbios de sono cada vez mais frequentes em todas as idades (UNESCO, 2022).
Não é exagero dizer: o foco se tornou um dos recursos mais escassos da vida moderna.
Impacto das telas no cérebro: o que a neurociência já sabe

A hiperconectividade acontece quando o uso de dispositivos digitais deixa de ser apenas ferramenta e passa a ser a forma dominante de interação, lazer e até de descanso.
Do ponto de vista neurocientífico, ela altera três sistemas-chave:
Sistema atencional – uso intenso de mídias digitais, como redes sociais e multitarefa online, está associado a pior desempenho em tarefas de atenção sustentada e memória de curto prazo, além de maior impulsividade em adolescentes - (Nature, 2023).
Sistema de recompensa - estudos do ABCD Study mostraram que jovens com maior sensibilidade à recompensa apresentam maior risco de uso problemático de telas, evidenciando como o cérebro pode ser capturado por notificações e recompensas digitais instantâneas (ScienceDirect, 2025).
Ritmos biológicos – revisões mostram de forma consistente que o uso de telas antes de dormir está ligado a sono de menor qualidade, maior dificuldade para adormecer e sonolência diurna, prejudicando memória e regulação emocional (PMC, 2018).
Isso se traduz em sintomas visíveis: dificuldade de concentração, sensação de inquietação, pensamento fragmentado, ansiedade e fadiga mental.
Por que dicas isoladas não funcionam

Diante desse cenário, muitas famílias recorrem a soluções rápidas: limitar o tempo de tela, instalar aplicativos de bloqueio, esconder o celular por algumas horas. Embora úteis, essas estratégias não são suficientes.
O cérebro não se reorganiza por decretos ou proibições. Ele precisa de estruturas consistentes que considerem ambiente, vínculos, recompensas e rotinas.
É justamente aqui que entra a proposta do Método FOCAR: um framework baseado em neurociência para guiar crianças, adultos e idosos a reencontrarem equilíbrio em tempos de hiperconectividade.
O Método FOCAR: cinco pilares para reorganizar o digital
O FOCAR é um método autoral desenvolvido a partir da integração de pesquisas em neurociência, psicologia do desenvolvimento e educação. Ele reúne cinco pilares que, juntos, funcionam como uma bússola para qualquer pessoa , em qualquer idade , regular a relação com as telas.
🔹 F – Filtro Ambiental
O ambiente digital é projetado para capturar atenção, ou seja, excesso de telas nos ambientes pode atuar como gatilhos para crianças, por exemplo.
Filtrar estímulos significa criar regras claras para crianças, limites conscientes para adultos e interfaces mais simples para idosos.
🔹 O – Organização da Recompensa
O cérebro busca prazer. Quando tudo está concentrado nas telas, surge dependência. Diversificar recompensas (esporte, arte, convivência) fortalece circuitos de bem-estar e reduz compulsão. Em todas as idades.
🔹 C – Conexão Afetiva
O afeto é o maior regulador do cérebro. Relações próximas ajudam crianças a lidar com frustrações, adultos a equilibrar trabalho e vínculos, e idosos a combater solidão. Sem esse suporte, encontrar prazer fora das telas é mais difícil.
🔹 A – Autorreferência
Somos modelos. Pais, professores e líderes precisam dar o exemplo. O mesmo vale para adultos que desejam ser referência para seus pares ou filhos. Nos idosos, manter autonomia e senso de identidade fortalece escolhas digitais saudáveis.
🔹 R – Ritmo Biológico
Sono, alimentação e pausas regulares não são detalhes, são a base neurobiológica da atenção. Proteger ritmos é proteger saúde mental.
O diferencial do FOCAR
O Método FOCAR traz três grandes diferenciais:
Intergeracional – funciona para crianças, adultos e idosos, respeitando características de cada fase.
Equilíbrio, não abstinência – não se trata de proibir telas, mas de reorganizar hábitos digitais com consciência.
Baseado em ciência, traduzido para o cotidiano – cada pilar se apoia em evidências robustas, mas é apresentado em linguagem simples, acessível e prática.
Esse é o caminho para transformar descobertas científicas em impacto real na vida das famílias.
Para onde vamos: próximos passos

O Método FOCAR está em fase inicial de implementação com grupos de famílias em caráter piloto. Os resultados preliminares já mostram caminhos interessantes, como a importância do ambiente (Filtro Ambiental) e o papel decisivo da Conexão Afetiva.
Esses achados ainda são preliminares e em fase de análise. Eles não representam resultados conclusivos, mas ajudam a refinar e aprimorar o método.
Nos próximos artigos desta série, vou detalhar cada pilar do FOCAR e mostrar como aplicá-lo na prática em casa, na escola e até no trabalho.
A hiperconectividade é um desafio coletivo, mas não inevitável. O cérebro humano continua sendo plástico, capaz de aprender e se reorganizar. O que precisamos é de estruturas claras, consistentes e aplicáveis.
O Método FOCAR é um convite: reorganizar o ambiente, diversificar recompensas, fortalecer vínculos, dar o exemplo e respeitar ritmos. É nesse conjunto que está a chave para proteger o foco e a saúde mental no século XXI.
Quer entender melhor os impactos das telas no cérebro? Assista à minha palestra digital sobre foco e hiperconectividade e comece a aplicar o Método FOCAR na sua família.
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Referências
Orben, A. & Przybylski, A. (2019). Screens, teens, and psychological well-being: Evidence from three time-use-diary studies. Psychological Science.
OECD (2023). Students, Computers and Learning: Making the Connection.
UNESCO (2022). Digital Kids? Global perspectives on screen time and learning.
Nature (2023). Screen time, impulsivity, and neuropsychological functions in adolescents.
ScienceDirect (2025). Prospective Predictors of Adolescent Screen Time and Problematic Use (ABCD Study).
PMC (2018). Youth Screen Media Habits and Sleep: Systematic Review.


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