Influenciadores digitais e comportamento motivado em época de quarentena
- Dra. Virgínia Chaves

- 9 de mai. de 2020
- 5 min de leitura

Recentemente, depois da polêmica envolvendo a influenciadora digital Gabriela Pugliesi, me peguei refletindo sobre as motivações das pessoas em isolamento social.
Eu entrei em isolamento no dia 15 de Março. Dia 14 ainda dei um curso e foi a última vez em que estive em um local com mais de 15 pessoas (com exceção de supermercado).
Desde então, o humor mudou (oscilou), as atitudes mudaram e as motivações também.
Mas o que é motivação? Motivação é tudo aquilo que nos move, ou tudo aquilo que nos leva a ter comportamentos específicos. Comer é um comportamento motivado gerado por algo interior (fome) que levou a ele. Quando bebemos água (comportamento motivado), o fazemos devido a um estado interno (sede) que o desencadeou e assim por diante.
Os estados motivacionais clássicos têm a ver com a sobrevivência da espécie e regulação de fenômenos de equilíbrio corporal como sede, fome, sexo e regulação da temperatura.
Nem tudo o que nos motiva (na concepção mais popular do termo) está relacionado à manutenção da espécie. Escrever é um comportamento motivado para mim. E o estado motivacional que o gera? Eu poderia falar sobre isso durante algum tempo. Até porque, nem sempre os estados motivacionais por trás do comportamento são claros.

Os comportamentos motivados nos geram recompensas. Ou seja, geram algum tipo de prazer ou sensação de bem-estar, o que por si só, já é o suficiente para se enquadrar na categoria de estado motivacional. Nenhum problema nisso. A questão é quando paramos para refletir sobre o que nos motiva. E em que situações isso ocorre, porque os estados motivacionais são mutáveis. O que me motiva hoje é bastante diferente do que me motivava há 20 anos atrás.
Durante momentos de crise é comum que nossos parâmetros se modifiquem. O que era prioridade em tempos de abundância deixa de ser em momentos difíceis, tanto material quanto emocionalmente. É possível que interagir de forma positiva e constante com as pessoas só venha a ser um comportamento motivado depois de meses em isolamento social. Pronto. Os parâmetros foram atualizados. Alguns de forma transitória (até que os vizinhos comecem a incomodar – e você queira virar um hermitão) ou de forma permanente (quando você percebe que esse contato te faz bem).
Pois bem. Onde entra a Gabriela Pugliesi nisso tudo? Entra no momento em que continuo passeando por redes sociais e me deparando com alguns comportamentos incongruentes com o momento em que vivemos.
Recapitulando o episódio que envolveu a influenciadora digital recentemente de forma resumida: estamos em isolamento social para que as pessoas não morram de Covid-19. Gabriela Pugliesi deu uma festa em seu apartamento em meio ao isolamento, e risonha como só ela, publicou a frase: “f...-se a vida”. Pândega. O caso repercutiu de tal maneira que resultou na perda de 150k seguidores das redes sociais e mais não sei quantos milhares de reais em patrocínio.
Enfim. Após o ocorrido, questionei a necessidade que temos de seguir padrões. A neurociência também explica e esse não é o x da questão. Mas sim, até onde vamos em nossas crenças e costumes para continuar mantendo um raciocínio pautado no glamour da vida alheia.

Durante um tempo, logo após o parto do meu filho, me vi bastante envolvida com o meio digital. Na época, eu estava lidando com questões relacionadas à auto-estima e acabei criando um blog de moda para mamães. Foi muito importante para mim. Não sei se foi para os outros. Mas em pouco tempo, decidi acabar com o blog. Alguns meses nesse meio e percebi que o que eu tinha e apresentava era muito pouco para de fato conseguir adentrar de forma profissional o universo “influencer”. Me vi num turbilhão de compras pela internet: maquiagem roupas, sapatos, bolsas e tudo o que de alguma forma monta a minha imagem de fora para dentro. Meus perfis de rede social ficaram egocêntricos e tinha um arsenal de fotos de mim mesma. Não curti. Finalizei.
Fez sentido para mim durante um tempo, e quando não fez mais segui em frente focando em outros interesses, que me levaram a comportamentos distintos. Foi uma experiência pessoal.
Entretanto, o que vivemos atualmente não é uma experiência pessoal apenas. Claro que está sendo diferente para cada indivíduo em termos de percepção, mas estamos vivendo uma pandemia. Que pelo próprio conceito é algo coletivo. E se envolve o mundo inteiro não tem como ser mais coletivo do que isso.
O isolamento social, as mortes, pessoas doentes, colapso do sistema de saúde de várias cidades... tudo isso nos coloca em estado de alerta e nos direciona para comportamentos distintos. Normalmente adaptados à realidade que nos rodeia.
Porém, o que tenho visto é que há ainda inúmeros influenciadores digitais presos às suas reproduções de rotinas criadas. Em plena pandemia ainda temos fotos felizes de corpos sarados na piscina gigante e azul. Até aí, ok. A pessoa não deixou de ser sarada e pode muito bem ter a piscina em casa. Não é esse o ponto. A questão é: o que fotos de pessoas felizes em iates, piscinas azuis e com roupas de marca têm a ver com o momento em que vivemos? Entendo que a indústria da felicidade fake das redes sociais gere comportamentos motivados diferentes em várias pessoas. Também entrei nessa um dia. Porém, a inadequação de certas postagens gera preocupação. Até porque, ninguém alimenta tais perfis à toa. Se publicam, é porque há gente para curtir de volta.
Em momentos nos quais pregamos tanto a empatia como solução para crises, tais perfis direcionam para a ideia errada. A ideia de que, não importa o que acontece lá fora, a vida de certas pessoas continua cercada de luxo e glamour e que a sua vida deveria ser assim também. É quase como se alguém respondesse “E daí?” ao ser questionado sobre as inúmeras mortes no país.
Cada um posta o que quiser. Diriam alguns. Não tenho dúvida, mas até para postagens na internet existe um certo código de ética e esfregar comida nos olhos de quem não come há um mês no mundo “real” seria um comportamento reprovável. Por que então, no mundo virtual permitimos que tais perfis alimentem nossas rotinas?

Dessa maneira, prefiro acreditar que tais perfis e pessoas se mantêm atrelados a tais motivações por motivos de negação. Ainda não se deram conta, talvez, que milhões de pessoas já morreram no mundo. Talvez percebam mais tardiamente que podem usar seus perfis para outros fins, e que, às vezes a felicidade fabricada em redes sociais pode ser ofensiva para pessoas cujos familiares estão entubados em hospitais.

Compreendo que esse é o ganha-pão das pessoas. Ninguém està questionando a profissão de influenciador digital, e sim, o que se prega como estilo de vida em meio ao caos. Outros influenciadores (com certeza não a Gabriela em questão) modificaram suas postagens e direcionaram suas ações para atividades mais adequadas ao momento).
A questão toda aqui é a empatia. Que essa competência seja o alicerce para nossos comportamentos motivados sempre: em momentos de pandemia ou em situações normais. Mal não vai fazer.





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