Quais estratégias de aprendizagem usar no ensino remoto?
- Dra. Virgínia Chaves

- 29 de jun. de 2020
- 6 min de leitura

Quem é professor ou convive com um, sabe. Um dos maiores desafios é como gerar motivação e engajamento nos alunos. Frequentemente pensamos do nosso ponto de vista (aqui me incluo como professora): aula fantástica = repleta de conhecimento e curiosidades sobre o assunto.
Em vários momentos funciona. Principalmente para os alunos que gostam e têm afinidade pela matéria a qual lecionamos. Entretanto, existe outra parcela do espaço amostral que já inicia a aula sem gostar da matéria.
Nesses contextos, o professor pode se utilizar de variadas estratégias que vão desde atividades mão na massa, passando pelo uso de tecnologias educacionais até atividades em grupo. Em casos específicos, professores talentosos conseguem motivar utilizando a si próprios: carisma, música, humor. Tudo funciona. No contexto presencial. Mas no contexto de aulas remotas, como o atual, parte do impacto é perdida.
Dessa maneira, separamos alguns tópicos importantes sobre mudanças que afetam o ambiente de aprendizagem remoto, quando a aula é centrada completamente no professor:
1) Estímulos sensoriais perdidos ou limitados pela câmera: Ver, sentir, ouvir, interagir com os estímulos é primordial para criação de memórias mais duradouras. No contexto virtual, vemos apenas parte da imagem (o professor se reduz à tela).
2) O gestual é perdido em parte, já que o professor normalmente dá aula sentado em frente ao computador, ao contrário do que ocorria em salas de aula presenciais. Os alunos vêem somente o rosto do professor.
3) A prosódia é mais uma vez restrita à conexão de internet. Se a mesma está instável recebemos uma imagem pixelada e uma voz metálica, dificultanto a percepção de entonação da voz e até mesmo das expressões faciais. Sem falar do contexto inclusivo, já que alguns alunos necessitam da leitura labial, dentre outras ferramentas de apoio.

4) Estudos sobre cérebro social mostram que áreas afins apresentam atividade simultânea no professor e no aluno. Algo extremamente potente que se perde em parte quando os alunos mantêm suas câmeras bloqueadas durante a aula.
5) Aulas realizadas com a utilizaçao de slides acabam por restringir o uso do caderno. Os alunos tendem a não copiar, uma vez que as imagens aparecem prontas na tela. Sentem-se seguros já que salvaram o material. Porém, o registro de anotações próprias é muito mais eficaz para a memória do que slides passados em curto espaço de tempo (apesar dos estímulos visuais agregados).
6) A exposição constante à tela gera cansaço visual, tendência à dor de cabeça e esgotamento mental.
7) A relação entre os pares é reduzida, e com ela, as possibilidades de interação em grupo. A interação é de extrema importância não somente para a troca mas para a manutenção do engajamento e da sensação de pertencimento de grupo. Habilidades socioemocionais são desenvolvidas nos momentos de interação, principalmente entre crianças.
E agora? Existe solução para todos os tópicos, mas a primeira, sem dúvida, é entender que a aula deve ser centrada no aluno. Dessa maneira, ajuda desconstruir o conceito de aula. A própria palavra remete ao contexto de transmissão vertical de conhecimento com o professor no centro do processo. Já o termo experiência de aprendizagem, ou qualquer similar renova os significados e pode ser entendido como os momentos compartilhados em que a aprendizagem começa a acontecer.
Tópico 1 – Estímulos sensoriais perdidos ou limitados pela câmera

· O professor deve trazer elementos sensoriais para os momentos compartilhados com alunos, o máximo que puder. A aprendizagem continuará acontecendo na ausência do professor se houver engajamento, mas é importante que existam pistas sensoriais no momento da troca, para facilitar a formação de memória.
· Evitar focar a aula inteira apenas nos slides. É possível utilizar modelos anatômicos para manusear com os alunos (pela câmera), modelos de estruturas químicas, dentre outros.
Sabe aquela história do “eu lembro exatamente da resposta completa porque li no livro enquanto passava de ônibus em frente ao mercado?” Nesses casos houve associação da informação lida com estímulos espaciais, visuais e outros. Quanto mais estímulos sensoriais, maior facilidade de criar associações que facilitem a evocação da informação.
· Alternar a forma como as informações são apresentadas. Essa estratégia já é comumente utilizada em aulas presenciais, mas na aula remota é ainda mais importante. Alterne entre fala, vídeo, explicação de imagem ou discussão, perguntas, reflexão, debate, música... tudo é informação. Não fica cansativo e ainda é maneira de reforçar estímulos sensoriais para a formação de memória. Pequenos experimentos caseiros podem e devem ser encorajados.
Tópicos 2 e 3 – Prosódia

· Aqui temos pontos similares: gestual e prosódia. Parte do processo de comunicação, ambos são importantes não somente para o entendimento mas para o reforço da memória. Certa vez, tive um professor de história no ensino médio que dramatizava em gestos e fala suas aulas de forma tão intensa que era possível relembrar sua movimentação no tablado (ainda exisitia na época) e acessar informações na memória de forma fácil.
· Na falta de uma interação presencial vale o professor, na hora da explicação, abusar da entonação e se, possível, entrar na sala online com dois acessos. Por exemplo, entrar pelo celular e pelo computador. Com um acesso o professor compartilha seus slides e com o outro, mantém sua câmera ligada para que os alunos vejam seu rosto.
· A demonstração e manipulação de modelos também auxilia o processo. Caso sejam aulas mais expositivas como em história ou afins, vale a estratégia de trazer mídias diferentes para intercalar com a fala do professor.
Tópico 4 – Cérebro social

A conexão se dá principalmente em situações presenciais, entretanto, o contato visual via câmera pode funcionar. É preciso atenção focada para que exista o link entre professor e aluno. É comum, principalmente, entre os alunos mais velhos, manter a câmera desligada enquanto a aula acontece. O professor perde o controle do que está havendo do outro lado, e os alunos, tendem a executar tarefas simultâneas enquanto o professor fala e explica os slides.
É extremamente importante que os alunos foquem no que está ocorrendo durante o compartilhamento de informações. A atenção é primordial durante o processo de aquisição de informação.
· O professor pode pedir que os alunos liguem a câmera respeitando a privacidade, entretanto. Em alguns casos particulares, crianças e adolescentes preferem manter suas câmeras desligadas por razões pessoais. Não podemos obrigá-los. Entretanto, é necessário que haja encorajamento para que o ambiente virtual de aprendizagem seja o mais adequado possível.
Tópico 5 – Slides como única estratégia

Nas aulas online os chamados “slides” têm sido os aliados do processo. Com desenhos, esquemas e textos prontos, os slides são ferramentas didáticas importantes, quando utilizados de forma coerente. Entretanto já trazem as ideias prontas e por vezes, impedem que os alunos façam suas próprias anotações durante a aula. Para sobrepor tais situações, o professor pode:
· Intercalar os slides com vídeos e outras ferramentas sensoriais, como dito no primeiro tópico.
· Orientar os alunos que façam anotações no caderno durante as explicações (para aqueles que conseguem fazê-lo simultaneamente às explicaçoes). Para os alunos que precisam focar nos slides durante a aula, o professor pode pedir que as anotações sejam feitas tão logo a aula termine, para que ainda estejam frescas na memória. Para crianças, os slides devem ser utilizados como recurso visual e de forma esporádica, intercalando o tempo todo com a fala do professor e com atividades que necessitem ação do aluno.
· Criar mapas conceituais e mentais com os alunos ao fim da aula.
· Intercalar momentos de exposição com atividades que requeiram respostas e ações dos alunos.
Tópico 6 – Longa exposição à tela

As aulas virtuais não podem ter o mesmo tempo de duração de uma aula presencial por inúmeros motivos. Desde a duração da atenção até a saúde visual de alunos e professores. Aulas desse formato são dispendiosas para o cérebro que gasta mais energia na interpretação de falas e imagens, que podem não aparecer de forma clara via monitor. Dessa forma, a escola deve:
· Reduzir o tempo de aulas online de acordo com a faixa etária, levando em consideração o tempo de atenção e as diretrizes médicas a respeito da saúde da visão.
· Encorajar atividades que não dependam apenas do uso do computador, como leituras em livros, projetos e manipulação de recursos físicos.
· Criar intervalos reais entre as aulas virtuais para que os alunos possam descansar a vista e a mente, encorajando-os a deixarem de lado celulares e tablets nesses períodos.
Tópico 7 – Interação entre pares

As aulas remotas não devem ser impeditivas para a interação entre crianças e adolescentes. A troca é importante para que os alunos validem uns aos outros e se reconheçam como grupo, o que é importante em termos motivacionais. Dessa forma, professores e escola devem incentivar:
· A criação de grupos de estudo virtuais para a realização de trabalhos e tarefas, bem como para estudo em grupo.
· A realização de tarefas em grupo durante a aula, o que é possível no ambiente comum da sala virtual, ou ainda, por meio de salas virtuais paralelas para que os grupos se reúnam. É importante que o professor possa acessar os ambientes virtuais pois seu papel como mediador é essencial para que tais estratégias funcionem.
· A realização de debates e a criação de momentos para que os alunos possam falar abertamente sobre suas experiências e vivências nesse momento atípico.
Acima de tudo é importante lembrar que a escola direciona o cérebro dos alunos para um tipo de aprendizagem que comumente é centrada no professor. Das várias horas passadas na escola, a maior parte está destinada ao modelo expositivo na maioria dos casos. Dessa forma, nenhum processo cognitivo disruptivo pode ser exigido com alta performance uma vez que não houve tempo hábil para que alunos e professores atuassem nesse contexto.
Além disso, toda mudança brusca gera gasto de energia o que torna docentes e discentes mais propensos ao esgotamento mental.
O momento é de reinventar a educação, mas é também de aprender e respeitar nossos limites e de trazer à tona a flexibilidade necessária para mantermos nossas mentes o mais saudáveis possível.





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